esta é uma carta escrita por Clara Balbi, uma jovem escritora que não me conhece e que eu não a conheço mas se ela soubesse o tanto que a conheço em todo o nosso desconhecimento (muito mais dela, do que meu, já que não imagina a minha existência) se assustaria.
e provavelmente teria um garoto para dizer a ela, "cuidado, essa garota é uma louca. psicótica." diria sim.
Bom, não é psicose, é encantamento pela delicadeza dela, sem mais porquês.
Essa carta me tocou, lá no fundo, me mostrou algo, me inspirou e me fez sentir como o amor, sempre, sempre, sempre é triste, assim como diz Clara em outra carta.
Espero, sinceramente espero, um dia conhece-la.
E se esse dia vir a acontecer direi como me identifiquei, como sou louca por cartas de amor e passo horas e horas em busca de vestígios do mais sincero sentimento.
"Carta
A.,
Sabe, estava olhando e olhando minhas coisas por esses dias e percebi que tenho uma coleção inteira de papéis de carta em branco. E me passou pela cabeça que, quando crescesse, e tivesse filhos, netos, bisnetos, até, a algum deles mostraria uma coleção de papéis de carta esmaecida, melancólica, completamente intocada. Completamente intocada. Como eu.
E resolvi que precisaria usar pelo menos um deles, ainda que só para ter uma história para contar, porque objetos sem histórias quando se é vovó de nada valem.
E então eu escreveria esta carta pra você. E mais tarde diria a eles como escrevi uma carta de amor bem assim, pra um garoto meio distraído, num papel de carta parecido com esse, mas a lápis, porque na época nem eu mesma tinha certeza do rumo de minhas próprias palavras.
E diria: olha, olha, escrevi uma carta de amor pra um garoto meio distraído, que sentia arrepio quando eu o beijava no pescoço (e já consigo até prever a cara de espanto ao perguntarem: “Oh!, vovó, você beijou outros homens além do vovô?”, se bem que eu não sei se vão ser tão inocentes, os tempos mudam), que tinha os olhos delineados e que era tão, mas tão, mas tão alto que eu precisava ficar na ponta dos pés para beijá-lo e que também gostava de café e paris e livros e que, forçado, assistiu a todos os filmes da audrey comigo e hoje em dia é um homem importante, muito importante, e mora num lugar frio e longe daqui.
E faz tanto tempo que não o vejo, tanto tempo, o tempo passa tão depressa e parece que foi ontem. Eu o chamava de um apelido engraçado, oh, como era mesmo, não consigo lembrar, minha memória anda tão falha, acho que estou mais velha do que acho que estou.
E eu acho que sinto saudades de tudo, ainda que não me lembre, ainda que não me lembre de tudo, ainda que não me lembre de quase nada.
(E essa última parte seria só em pensamento, para mim mesma, porque saudades em voz alta nós apenas dizemos àquele a quem pertencem.)
Talvez, e só talvez, algum deles esperaria a chamada pro almoço e a conseqüente corrida desenfreada de seus primos e irmãos e quem sabe amigos e me perguntaria, assim, bem baixinho, fazendo com que eu tivesse de me curvar e forçar meus ouvidos já gastos: “Vovó, você o amava?”. E eu provavelmente falaria que foi há tanto, tanto tempo, eu já nem me lembro mais do que falávamos e aonde foi que você se machucou?, é melhor cuidarmos já já disso, é melhor irmos andando antes que a comida esfrie.
Mas ainda mais baixo falaria minha consciência encoberta de poeira e diria:
“tanto”."
(Clara Balbi - oreimandou.blogspot.com)
Talvez você acabe se assustando com o desconhecimento que, porque é teimoso, resolve virar conhecimento. É uma honra ver isso aqui, de verdade.
ResponderExcluirverdade seja dita: em vez de digitar o endereço completo do blog da megazine (que, não sei porque, não coloquei até hoje nos meus favoritos), eu só coloco meu nome no google. nesse, curiosa que sou, resolvi atravessar as páginas: na quarta, encontrei seu blog. E estou encantada.
ResponderExcluir(espero que ele não seja extinto logo agora que eu o encontrei, aliás)